A VOZ DA VARIAÇÃO_MÚSICAS


RACIONAIS MC'S


Racionais MC's é um grupo brasileiro de rap, fundado em 1988 na periferia da cidade de São Paulo por Mano Brown (Pedro Paulo Soares Pereira), Ice Blue (Paulo Eduardo Salvador), Edy Rock (Edivaldo Pereira Alves) e KL Jay (Kleber Geraldo Lelis Simões). Suas letras falam sobre a realidade das periferias urbanas brasileiras, discutindo temas como o crimepobrezapreconceito social e racial,drogas e consciência política.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Racionais_MC's




O TEATRO MÁGICO


ZALUZEJO



Sintaxe à vontade




Baseados no livro "O Lobo da Estepe" O Teatro Mágico (TM) é um grupo musical, político, brasileiro formado em 2003 na cidade de OsascoSão Paulo, criado por Fernando Anitelli. O TM é um projeto que reúne elementos do circo, do teatro, da poesia, damúsica, da literatura, da política e do cancioneiro popular tornando possível a junção de diferentes segmentos artísticos numa mesma apresentação.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Teatro_m%C3%A1gico

Teófilo Leite Beviláqua


                                               
 A gente cantamos errado?
    


Paulo Jebaili e Luiz Costa Pereira Junior

O cancioneiro popular está repleto de casos em que o padrão da língua foi subvertido. Muitos assaltaram a gramática, como entoam Lulu Santos e Herbert Viana, de propósito. Outros buscam aproximar-se do coloquial, e com isso privilegiam variantes outras que não a escrita culta. Há, porém, um repertório de canções brasileiras em que o tropeço de português, involuntário ou deliberado, é tão integrado à lógica interna da composição que, se corrigido, a música sofreria algum tipo de perda.
O compositor Luiz Tatit, que é professor titular do departamento de Lingüística da USP, observa que a intenção das letras nas canções é retratar falas e não gramáticas normativas, e as exigências da composição tomam o primeiro plano.
Há fatores do próprio processo de criação que não raro "pedem" desvios da norma culta, como a tentativa de encontrar uma rima. É a hipótese plausível, por exemplo, para a clássica marchinha Aurora (1941), de Mário Lago e Roberto Roberti, em que o apelo sonoro fala mais alto que a conjugação verbal tida como correta.
"Se você fosse sincera / Ô, ô, ô, Aurora / Veja só que bom que era / Ô, ô, ô, Aurora."
Seria difícil imaginar, num salão de carnaval, alguém cantando:
"Se você fosse sincera / Ô, ô, ô, Aurora / Veja só que bom que seria".
A não ser que a personagem da rima fosse "Maria", é claro.
Conjugação de CartolaPaulinho da Viola admitiu a esta Língua ter ficado atordoado quando chamaram sua atenção para um erro de concordância em seu samba Comprimido, crônica de um homem que, depois de brigar com a mulher, tenta o suicídio.
"Noite de samba / Noite comum de novela / Ele chegou / Pedindo um copo d'água / Pra tomar um comprimido / Depois cambaleando / Foi pro quarto / E se deitou / Era tarde demais / Quando ela percebeu / Que ele se envenenou."
- Então me deram o toque: não era "envenenou", mas "envenenara".
Paulinho tentou mudar.- Nada encaixava. Um desespero. Aí decidi deixar assim, com erro mesmo. Nunca reclamaram.
Em seus shows, Paulinho costuma lembrar episódio similar de erro involuntário ocorrido com seu mestre, Cartola. Foi na gravação de História das Escolas de Samba, em 1974, que um produtor notou que Fiz por você o que pude continha conjugação verbal equivocada.
O verbo "premiar" foi conjugado "premeia" e não "premia", nos versos:
"Sonhava desde menino / tinha o desejo felino / de contar toda a tua história / este sonho realizei / um dia a lira empunhei / e cantei todas tuas glórias / perdoa-me a comparação / mas fiz uma transfusão / eis que Jesus me premeia / surge outro compositor / jovem de grande valor / com o mesmo sangue na veia".
O samba é homenagem à escola de samba Mangueira. Cartola fora resgatado do ostracismo pelo jornalista Sérgio Porto (o Stanislaw Ponte Preta), que o encontrou lavando carros em Ipanema. Nos estúdios, alertado do equívoco, Cartola teria ficado visivelmente abalado e quis mudar a letra. Mas um produtor o convenceu de que isso alteraria o sentido da canção.
Encaixe melódico
Um dos desafios de um compositor é passar sua mensagem nos limites da métrica, fazer com que as palavras caibam na melodia (grosso modo, a sucessão de notas que formam a parte cantada da música). Isso, por vezes, induz o autor a dilatar, de forma deliberada, os recursos da língua, sob o salvo-conduto da licença poética.
- Licença poética era um recurso do letrista para que coubesse na melodia o que ele queria. Mudava-se um pouco a acentuação da palavra ou a palavra aparecia até sem a concordância devida. Esses recursos são habituais, mas hoje em dia se faz menos - diz Luiz Tatit.
Em muitas obras, o que aparentemente seria um erro de português é, na realidade, um recurso poético ou um registro narrativo de um determinado linguajar.
- A questão é se de fato se diz aquilo na entoação do dia-a-dia. Quando não se diz, fica artificial. A menos que seja uma brincadeira. Do contrário, dá a impressão de que, se o letrista tivesse pensado um pouco mais, teria encontrado uma solução melhor - diz Tatit.
O erro é a idéia
Por vezes, a supressão da norma é o que fortalece a idéia a ser comunicada. O rock A gente somos inútil, sucesso do Ultraje a Rigor na década de 80, é um exemplo. Ao mandar a regência e a concordância às favas, o autor Roger Moreira
O diretor teatral Heron Coelho:é preciso levar em conta a circunstância em que o autor está inserido
encontrou uma maneira debochada de enfatizar a idéia de um país acostumado a conviver com a precariedade e a ineficiência em vários setores.
"A gente não sabemos escolher presidente / A gente não sabemos tomar conta da gente / A gente não sabemos nem escovar os dente / Tem gringo pensando que nós é indigente / Inútil / A gente somos inútil."
Na ocasião em que a música foi composta, até nas atividades em que o país era associado à excelência, como o futebol, vivia-se um período de baixa, o hiato entre o tricampeonato de 1970 e o tetra que só viria em 1994. Uma frustração refletida em "A gente joga bola e não consegue ganhar / Inútil".
- Na música do Ultraje, assim como em Beija Eu, do Arnaldo Antunes, há apropriações do coloquialismo para criar uma forma na canção, um recurso lingüisticamente lúdico para criar um estilo - analisa Heron Coelho, diretor e roteirista teatral, com graduação e mestrado em Letras pela USP.
Tudo é poesia
Segundo Heron, tudo é possível quando se trata de poesia e, conseqüentemente, da canção popular.
- A canção é a conjuminância entre a letra e a música. A partir do momento em que se obtém um bom resultado, dentro dessa instância chamada canção, não interessam mais os formalismos. Beija Eu, por exemplo, sugere uma criança cantando - comenta Heron.
A obra de Arnaldo Antunes, por sinal, tem outros exemplos de construções que subverteram a regra culta em favorecimento da mensagem. Como em Macha, Fêmeo, uma parceria com Paulo Tatit e Marcelo Fromer. A letra é elaborada a partir de uma intencional inversão do gênero das palavras relacionadas ao corpo:
"Cérebra, caralha, baga, pescoça, prepúcia, ossa / Nádego, boceto, teto, coxo, vagino, cabeço, boco".
Uma leitura possível é que a letra se presta a questionar a fixidez das categorias masculino e feminino. Outro exemplo é Fora de Si, em que Antunes canta:
"Eu fico louco / Eu fico fora de si / Eu fica assim / Eu fica fora de mim".
Pode-se inferir que a transgressão gramatical reflete propositadamente uma desordem psíquica ou uma confusão entre o sujeito e o outro, ou ainda um jogo de palavras que traz a noção de presença e ausência à tona. Ou isso "tudo ao mesmo tempo agora".

Roger Moreira do Ultraje a Rigor: apropriação do coloquialismo para criar um estilo em A gente somos inútil
Tradição oral
Mas nem toda subversão normativa resulta de uma busca por estilo ou por alargar os limites estéticos. Muitas vezes, trata-se da expressão de um dado linguajar, de uma tradição oral, de um tipo de falante. Ou, como diz Heron, da circunstância em que o autor está inserido:
- É preciso levar em conta a circunstância: a de Luiz Gonzaga, que canta "Assum preto veve sorto, mas num pode avuá", a de Adoniran Barbosa, com "nós fumo e não encontremo ninguém". Há uma circunstância que leva esse coloquialismo para a canção popular. São segmentos da sociedade que encontram no discurso musical um lugar de expressão.
O que, do ponto de vista lingüístico, não acarreta nenhum prejuízo, na visão do professor titular de Língua Portuguesa da PUC-SP, Dino Preti, torna uma obra como a de Adoniran excelente, por retratar uma variante lingüística (a da cidade de São Paulo).
- Não há sentido nenhum em tentar olhar para as músicas pela variante culta. A língua tem muitas variantes, não é uma questão de erro, mas de variantes lingüísticas; algumas têm mais prestígio lingüístico e outras têm menos.
De acordo com Preti, os registros de falas de segmentos sociais mais fechados, de gírias e da linguagem característica são elementos que conferem à música um sabor local, típico dos grupos, como o dos imigrantes italianos retratados por Adoniran, que imprimiram suas marcas na capital paulista, sobretudo no Brás e no Bixiga, localidades próximas ao centro.
- A linguagem culta é a variante mais prestigiada na sociedade, a variante dos livros, da literatura e, de certa maneira, a da escola, mas não quer dizer que seja a única que se deva considerar. Conforme o ambiente, o tipo de falante, a interação, a conversação, pode haver outras variantes perfeitamente reais e válidas.
Muitos filtros
Preti considera que sempre é atividade pedagógica interessante levar os textos de Adoniran Barbosa às salas de aula:
- O indivíduo deve aprender na escola que há diversas variantes e essas variantes são adequadas a certas situações. O importante é saber quando usá-las, em que condições, em que situações de co­municação se usa uma variante ou outra. Ao falar com uma criança, não se vai dizer: "Se você vir sua mãe, dê-lhe o recado".
Visão semelhante tem Tatit.
- Normalmente, uma canção convence mais quando as suas estruturas ditas, cantadas, parecem espontâneas, ditas no cotidiano. E tem gente que leva isso aos extremos. Não é nem que Adoniran, por exemplo, falasse daquele jeito. Ele percebia essas construções no ambiente dele e gostava de trazer para as canções. Agora, há recursos, em Beija Eu, por exemplo, que não são uma questão de fala cotidiana, mas de recurso poético. A sonoridade, o lirismo que tem em "beija eu" é muito maior do que "beije-me" ou "me beije". O fato de ter mais vogal torna a frase mais sonora.

Integrante da formação original do Gru­po Rumo e com quatro discos solo, Tatit considera difícil que um erro de português, de fato, fique eterniza­do numa gravação simplesmente por descuido ou por passar despercebido pelo autor.
- As letras passam por muitos filtros antes de serem gravadas. Se o compositor não sabe aquilo, normalmente o produtor chama a atenção ou a pessoa que vai fazer o encarte, sempre alguém dá um toque: "Olha não é bem assim. Você quer deixar assim ou não?". Nunca é uma coisa inconsciente, a pessoa quer lançar daquele jeito.
É o que teria ocorrido com Paulinho da Viola, por exemplo, no caso uma exceção que confirma a regra.
- Toda a linguagem tem de comunicar. Não adianta falar na língua culta e não comunicar as suas idéias - enfatiza Dino Preti.
Tatit segue o mesmo tom:
- A língua é completamente livre para se usar como se quiser, e a canção é uma das formas. A língua tem de estar sempre solta.
O universo da música popular brasileira parece pedir um tipo de apreciador que seja também bom entendedor. Por isso, o que valeria mesmo é passar a mensagem com consciência da variante adequada.
Talvez o território livre da palavra cantada soubesse disso antes mesmo da lingüística.

Fonte

 Tamara Maia Moreira